Allosaurus fragilis em Portugal – Um predador Jurássico entre dois continentes

Fósseis encontrados em Pombal confirmam a presença do icónico dinossáurio carnívoro Allosaurus fragilis em Portugal. A recente descrição de um crânio parcial recolhido em Pombal reforça a hipótese de que, há 145 milhões de anos, ainda existia uma estreita relação biogeográfica entre a Península Ibérica e a América do Norte.


Em 1988, uma descoberta inesperada acabou por resultar num achado de grande importância para a paleontologia de dinossáurios. Durante obras para construção de um anexo agrícola na localidade de Andrés (concelho de Pombal), o Sr. José Amorim encontrou vários ossos fossilizados. O achado foi prontamente comunicado ao Museu Nacional de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa, que organizou uma escavação de emergência no local.

O resultado? Um esqueleto parcial de um dinossáurio carnívoro, incluindo ossos da cintura pélvica e dos membros posteriores, bem preservados e ainda mantendo a posição anatómica que tinham quando o animal viveu, há cerca de 145 milhões de anos.

Esses fósseis foram identificados como pertencendo à espécie Allosaurus fragilis, um dos mais icónicos predadores do Jurássico, até então conhecido apenas no outro lado do Atlântico, na Formação de Morrison, dos Estados Unidos da América. A descoberta foi surpreendente: tratava-se da primeira evidência desta espécie fora da América do Norte, sugerindo uma ligação entre as faunas de dinossáurios dos dois lados do então incipiente Atlântico Norte.

Mas a história não parou aí… Mais tarde, foi descrita em Portugal uma nova espécie, Allosaurus europaeus, com base em fósseis encontrados na Praia de Vale Frades, Lourinhã. Esta descoberta levantou a hipótese de uma evolução separada das faunas ibéricas e norte-americanas, devido a barreiras geográficas possivelmente relacionadas com a abertura do Atlântico.

Contudo, escavações mais recentes em Andrés revelaram novos fósseis, incluindo um crânio parcial excecionalmente bem preservado. Graças a esses achados e a comparações detalhadas com fósseis da América do Norte, foi possível confirmar a presença, em Andrés, de uma forma estreitamente relacionada com a espécie Allosaurus fragilis.

Outros fósseis portugueses, incluindo uma pequena maxila de um recém-nascido encontrada na Guimarota (Leiria) e o exemplar de Vale Frades, foram também reinterpretados como pertencendo a Allosaurus fragilis. A presença de formas morfologicamente indistinguíveis em ambos os lados do Atlântico sugere que, no final do Jurássico (há cerca de 150 milhões de anos), ainda existia uma estreita relação biogeográfica entre a Península Ibérica e a América do Norte. Estas massas terrestres estavam mais próximas, pois o Atlântico Norte estava apenas a começar a formar-se, o que pode ter permitido a migração de dinossáurios, como Allosaurus, entre estas regiões.

Os fósseis de Andrés representam um dos mais completos dinossáurios carnívoros do Jurássico Superior da Europa. Estas descobertas reforçam a importância do registo fóssil português e, em particular da região de Pombal, para compreender a história evolutiva dos dinossáurios terópodes. Para além do seu valor científico, este património paleontológico tem um enorme potencial educativo e cultural, sendo também uma ferramenta importante para promover o desenvolvimento sustentável e fortalecer a identidade da região.

Este estudo foi liderado pela paleontóloga Elisabete Malafaia, do Instituto Dom Luiz, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e resulta dos projetos de investigação desenvolvidos sobre o registo fóssil do Jurássico Superior de Portugal. A investigação contou também com a participação de investigadores do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, Universidade de Lisboa, e do Grupo de Biología Evolutiva da Universidad Nacional de Educación a Distância de Madrid.

 

Referência do trabalho:

Malafaia, E., Dantas, P., Escaso, F., Mocho, P., Ortega, F. 2025. Cranial osteology of a new specimen of Allosaurus Marsh, 1877 (Theropoda: Allosauridae) from the Upper Jurassic of Portugal and a specimen-level phylogenetic analysis of Allosaurus. Zoological Journal of the Linnean Society 204(1). https://doi.org/10.1093/zoolinnean/zlaf029

 

Fósseis do crânio de Allosaurus fragilis recolhidos em Andrés.

 

Contexto geográfico e geológico da jazida de Andrés

Imagens de tomografia computorizada de um osso lacrimal, um dos elementos mais característicos de Allosaurus, recolhido em Andrés

Emanuel Dutra